Horas nas linhas.
Já há uns anos que escrevo em jeito amador. Vi os meus textos- e a evolução neles- serem sucessivamente apreciados e, aí mesmo, apercebi-me de que as horas que colocava nas linhas podiam, efetivamente, ter nelas algo que se lhe dissesse. Hoje, incentivada pelas pessoas com quem partilho a escrita, decido, com mais tempo e com mais paixão também, abrir um blog que espero ver funcionar, onde descrevo parcialmente o meu redor, e específico em textos aquilo que me inspira à vontade de escrever. É um passatempo que é mais do que isso.
(18 de janeiro de 2019- passou tanto tempo. E eu que ia ali estudar um bocadinho e focar-me em coisas que não a escrita por pouco tempo. É estranhíssima a forma como o tempo passa por nós sem que sintamos que passamos por ele com a mesma pressa. Ainda ontem era assídua por aqui e hoje voltei de um ano e pouco de ausência. Mas escrever faz-nos isto: voltar. Seja quando for, seja pelo que for. Voltamos e nunca sabe a menos. Escrevi este texto sem base nenhuma, apeteceu-me só desanuviar e vejam lá se não me continuo a refugiar no mesmo.)
Um egoísta que sabe mal
Sabes que eu nunca gostei do mar. Tem um tom estranho e sabe mal, é que nem sequer lhe vejo o fim. Se não lhe vejo o fim haveria de acreditar nele porquê, logo eu que sou anti religião. Não gosto lá muito do mar, não é nada que eu não te reitere, é um egoísta que deixa que as pessoas nadem nele e às vezes nem as devolve. E depois acha-se forte enquanto exibe a ondulação, como se todos não soubéssemos que quem trabalha nela é a lua. Não vejo razão para que ela lhe ceda aos caprichos, de certeza que guardam um segredo e acabam em tons de chantagem.
Sabes que o mar é parvo, quando dás por ti já não tens pé e nem lhe vês o fundo. Mas quem é que não gosta de ver o fundo às coisas. Eu pelo menos gosto de saber com quem é que estou a lidar.
Mas tu gostas do mar. Dizes que te acalma. Eu nem sei bem o que é que isso significa. A mim acalma-me o açúcar que é uma droga pesada daquelas que os pais não censuram tanto. Nem sei bem por que é que pedes para passearmos à beira mar. Com tanta coisa gira por aí.
Mas eu cedo. É como quando a lua cede àquela maré vasa e lhe dá força. Não é que haja segredos entre nós e tão pouco daqueles que acabem em chantagem. Acho que é só uma história de amor que acabamos por não verbalizar. Deve ser como a lua e o mar. Uma lá em cima e outro lá em baixo. Já viste que as distâncias pouco importam.
(23 de setembro de 2017)- é um texto não como todos os outros porque qualquer um o podia ter escrito: não há nada que lhe subjaza. Nada que eu tenha vivido, ou visto, ou pensado fora do tempo em que o escrevi. Mas disse-me qualquer coisa no fim. Como se me tivesse auto-convencido de que realmente se passou à minha volta.)
A perfume e a medo.
A vida surge quando levantamos questões sobre aquilo de que temos a certeza. Eu achei-me em cantos e tu pormenorizaste-os sobretudo em recantos, há sempre um além que já achara ter sonhado limite.
Mostraste-me detalhes que vêm carregados de indeterminação, logo quando me prometeste chegar a horas decentes e o significado que isso tinha em mim, tinha duas horas e meia mais tarde em ti. O meu perfume ficou em casa, ia perdendo intensidade e eu não me sabia ocupar a menos que a ansiedade se fizesse ocupação.
A vida priva-nos de explicações e nós tomamo-la como certa.
Questionei-me da certeza que tinha em que como me deste a morada certa, era diferente daquilo que já tinha visto, sabes que lá onde vivo as rotundas são maiores e têm nomes,o trânsito é permanente e as ruas não dão oportunidades aos segredos de se fazerem tal. As horas estão contadas e até isso eu questionei. O que para mim era um atraso de meia hora, para ti eram duas horas adiantadas, instala-se o "jet lag" e só estás a uns vinte e poucos quilómetros. Há distâncias que nem os minutos descodificam: tens tempo.
O nervosismo é o superlativo absoluto do que me rodeia, há uma rotunda pequena, um semáforo desligado, uma passadeira ao fundo, pessoas e o meu vidro embaciado do frio.
Não tinha a certeza de se a hora mudava naquela ou na noite seguinte de outono, e foi quando pensei na hipótese de atrasar mais uma hora que se apaziguou o pensamento e deitei o banco e pus a música mais alta. O meu carro é o meu quarto que sai do sítio. Ignorei-me e aos meus sentimentos e adormeci. O sexto sentido de uma mulher não tem nome, mas todos sabem que existe, o meu não se fez sentir e eu senti-te do lado de fora. A morada estava certa e as ruas apertadas diferentes daquelas a que estava habituada deram-me enfim espaço para respirar.
Desembaciaste o vidro com as mãos e piscaste o olho a medo, mesmo que comparado ao meu fosse só microscópico. Deste a volta ao carro pela frente para que eu tivesse a certeza de que eras tu- só te esperava a ti- entraste e sentaste-te. Perguntaste se estavas atrasado e eu neguei que sim, afinal quem tomou contas das horas foi a indeterminação que me adoeceu e para mais o meu sono tinha absorvido todo o tempo que por fim demorou menos a passar.
Olhaste-me e disseste que indicavas o caminho.
A vida surge quando levantamos questões sobre aquilo de que temos a certeza e eu naquele momento sabia-te como absoluto. Talvez a vida traga consigo a ilusão de que há coisas que não são nossas e que enfim podem sê-lo se assim quisermos tanto que acreditamos que o são.
Há uma rotunda pequena, um semáforo desligado, uma passadeira ao fundo, pessoas... o meu vidro agora menos embaciado do frio, tu e o teu perfume- com duas horas a menos do que o meu a pairar no ar.
É outono e a hora muda amanhã.
(11 de setembro de 2017)- a prosa que se segue traduz a ideia de uma sabedoria que demora, um amor que funciona a diferenças, e a aprendizagem de que nós somos quem faz o redor. Vem tudo de dentro.
Cinquenta anos e um banco de jardim.
A avó disse-me, outrora, que a vida é como um girassol. Roda não por algo, revira sim com algo, por intuição e, acha-se,que em primeira linha por necessidade: é mais um processo e mais um que se nota inevitável.
A vida gira, muda e volta sempre igual. Sempre nossa, sempre num mesmo movimento circular- e adormecemos na certeza de que naquele acordar que esperamos certeiro, continuamos a viver assim, à espera de que a única coisa diferente seja o lado para o qual nos viramos. A fonte vital faz-se vital sem sombra de pleonasmo.
O avô contradiz. Fala que a vida é como as gotas de água que
formam a poça incomodativa logo à entrada do carro: evaporam-se e as que voltam
são sempre outras. Provavelmente não ocupam nunca, de novo e exatamente,a mesma
área. Denote-se mutação, ou mesmo regeneração, dependendo da perspetiva: ora se
olha do céu, ora se olha da terra, a vida não para, é nossa, mas não é ímune ao
incerto: e nós não sabemos dela.
Reflito no jardim dos meus avós. Naquele banco que fizeram
em conjunto (prometeram ser o último lugar no exterior da casa em que se iriam agarrar, assim tão juntos...), num dia
propício a arco-íris. Há sol e há girassóis que rodam, há a chuva que abranda.
E é aqui, mesmo debaixo de um final de tarde de maio, que acordo
em mim e descubro que o redor não é nada mais e tão pouco nada menos do que a
interpretação que damos ao espaço, e aquele jardim não era a exceção à regra de
que a redondeza tem o significado que lhe atribuímos.
A minha irmã vê nele um espaço que incomoda, não poderia
nunca sujar o tecido das novas calças: se é vaidosa, então que o seja em pleno
pecado mortal. Eu gosto dela bem assim, isso conta, acho importante sublinhar.
Um girassol a mim pouco me diz, acho que a chuva ainda me
diz menos, vejo curiosidade e vejo ciência, não comparo à vida com a determinação
com que os meus avós o fazem. Sempre foram tão metafóricos e desfrutaram muito
mais do que aquilo que viveram a época da invenção, eu até que compreendo.
Gosto de os ouvir, isso conta, achei importante sublinhar.
E aquele maio deixou que eu me focasse na essência do que me
rodeia, e rodear é envolver. Olhar em volta, mas voltar ao sítio: fins com
meios que justificam. É tarde cerrada.
A vida não passa de
impressões que causam emoções, ora causam apego, ademais alguma dependência
também, mas essencialmente expectativa, que traz com ela o inverno do
positivismo que não funcionou, e noutra face,o verão que carrega o negativsmo qye acabou por se fazer luz.
A vida é decadente, e isso não é pejorativo. Mas regenera,
como as palavras do avô. E roda a nosso favor, antecipou a minha avó.
Os
meus avós completam-se cinquenta anos e, no meu tom bem confiante, mil
girassóis e milhares de litros de chuva. E a vida deles muda, mas eles ficam.
Não tem explicação na ciência ou na psicologia: era só
porque a a fonte vital era sempre a mesma, afinal proferiram-no tão bem.
Há amor.
(publicação a 4 de setembro de 2017)- não me lembro exatamente de quando escrevi isto, mas lembro-me do porquê de o ter escrito. Estava a sair de uma loja de rua quando vejo um casal aparentemente já não tão ligado quanto isso, em que a rapariga diz que "só não sente nada" e julgo ter virado costas. Não era um dia diferente dos outros, e eu ía acabar por escrever. Instalei-me e imaginei aquilo que ela sentiria, ou aquilo que ela optaria por dizer, caso o discursasse. Daí que:
Vazio- o que ocupa mais espaço
Ao contrário do que nos fazem crer, não há paredes com ouvidos ou pássaros que vão transmitir a mensagem algures na vizinhança. Estávamos sós e talvez tenha sido esse o problema, porque, e em virtude da tua também descrença, disseste-me o que naquela tarde já quase vazia não convinha.
Escrevi-te no espaço vazio que não estava a dar, e fi-lo a medo, com receio de que o vazio cá na terra fosse tão equiparado ao do espaço que se tornasse naquilo que ocupa mais espaço. E isso estava mais perto de ser real do que dar vida a coisas que não têm nada que não a ficção de que nos convenceram em cadeia. O teu eco estaladiço procurava a dupla de um som que se fazia uníssono em ouvidos nada alheios e eu já não o podia reter, quanto mais entranhá-lo de forma a que não fosse em vão.
O nosso décimo andar tinha muito que se lhe dissesse, não mais seja porque se afastava do chão a cada palavra que me fez insegura e vê só se a vertigem de um adeus não era pesada o suficiente para me fazer levitar. Não eras mais chão. Não havia mal que nunca acabasse, mas desvendei o pior no facto de não haver algum bem que durasse para sempre, eras a metáfora do elevador que me podia levar às estrelas, entretanto, só porque contigo era mais do que possível.
As escadas acusavam lentidão, gritavam dor enquanto não se recordavam de que serviam de passagem pedestre ou o que fosse materialmente possível só porque se pressupõem inquebráveis e menos claustrofóbicas. É essa a analogia da vida de cada um: assumir que somos imbatíveis é um começo para que possamos desfrutar de uma vitória assim que se aproxime em dós soltos e rés mais altos. A pior parte está na vertente em que são os outros quem nos assumem inderrubáveis: a tendência é denegrir o asfalto porque eventualmente ele aguentará, e deixa-se oculta a realidade de que também pode este ser riscado. E o mesmo connosco se passa: ainda que de coisas não nos tratemos.
Não me vestias o rosto da felicidade matinal a que me habituaste, e se calhar foi isso que esperei de ti e mal, porque não há dias em que não falhemos e noites em que não quebremos silêncio seja de que forma for, impressionantemente mesmo quando calados. O silêncio ensurdece tanto quanto me fizeste crer depois de palavras que doeram, mas não tanto quanto quando me olhaste e foi só.
O teto de nossa casa tinha ganhado a conotação que lhe deste quando olhaste para cima por não teres mais a coragem de me enfrentar frente-a-frente, logo depois do gin amargo de uma noite que azedou em jeito gradual.
E não me abrigaste.
(24/12/2016- publicação a 22/08/2017)- hoje vou relembrar um texto em jeito de crónica que escrevi
em dezembro do ano passado, texto este que consiste numa crítica severa ao
natal de várias famílias que aparentam ser perfeitas, mas que, quando se
desvendam pormenores como os que se seguem, facilmente se percebe que nem esta
nem uma outra o são, independentemente da razão que lhe subjaz. O natal passa,
entre o bom e o mau, por partes intermdiárias,e nesta família em concreto, sucedeu-se que:
A ironia de uma celebração
Dia vinte e três adormecem de costas voltadas e dia vinte e quatro- à noite- já se faz um esforço em prol do redor, e como é dia de nada fazer à exceção dos afazeres que nem custam porque pelo menos têm em comum o gosto pelos doces natalícios, basta conviver à volta deles e fazer disso assunto. Sempre é melhor um assunto maçudo, mas bem adocicado. É um dia fácil em que basta ensaiar os miúdos de que o bacalhau se come com talheres diferentes e está feita a tarefa. É um dia fácil em que se deixam as amarguras lá no passado- no passado dia vinte e três- e até se estende a boa-disfarçada-disposição à manhã de vinte e cinco.
O Natal faz-se realmente ilusão e não é à pala das crianças.
É um dia cuja conotação conduz à ideia de luzes por todo o lado depois de um ano obscuro entre eles. Cujo frio lá fora se combate com o calor humano dentro de casa essencialmente (e uma ajuda do da lareira)- porque mesmo quando achamos que não, precisamos sempre de alguém. Cuja mítica e mágica ideia de que existe um Pai Natal se perde com um processo inevitável que cabe a todos, mas que ganha o sentido de termos por adquirido que realmente quem nos dá, é quem se vê e se sabe- e este perdura e arrasta-se no tempo. Isto por norma, assim se denote: eu ficar-me-ia pelo Pai Natal e viveria destimidamente na ilusão infantil de que o que é rotineiro é que é companhia, é que quer saber, é que dá porque gosta. Mas dar não é gostar, olhar não é ver e estar não é fazer-se presença.
É um dia que faz lembrar os idosos maldizeres lá da rua: eu falo e falo mal do vizinho, mas a seguir vou à Igreja, confesso-me e passa. Ora, especialmente neste dia não há como não ser perdoado, e, portanto, sentar à mesa depois de dias de pecado e de pecados dias que se seguem, não deve fazer assim tão mal. É o espírito contraditório de quem quebra ligação e se une por rabanadas. Não admira a quem se desune que o que as una tenha sempre menos força do que a vontade de querer ficar os restantes 363 dias: e ainda engorda. Mas ao ter açúcar atenua. É científico: e é diabético.
Mas os miúdos crescem e já sabem usar talheres. Já não precisam que se lhes diga. Os doces agora compram-se porque o nosso país impinge-nos a responsabilidade de trabalhar até tarde (caso contrário nem quem gosta, nem quem desgosta, estaria apto a dar: e nós queremos receber). A lareira dá trabalho e o ar condicionado está a um botão do calor artificial que nos acolhe em círculos aparentemente fechados, mas que no plano não o são. Tudo se disfarça, incluindo eles. Incluindo as luzes que os encharcaram de esperança numa noite em que elas já não se ligavam há muito: mas quando voltam à cama o processo é o mesmo, e nem a luz de presença lhes ilumina o dia vinte e seis.
Eles não se suportam, mas é Natal.
10/08/2017- não houve nada que me inspirasse ao texto que se segue. Era só uma manhã como as outras em que eu esperava a minha mãe para que saíssemos de casa e, entretanto:
Laura
A minha mulher não é como tu, mas é alguém que tu mesma me ensinaste a saber amar. Alguém que se deita na almofada mais baixa por mim e com o sol da manhã nos olhos, mesmo de estoro descido. Eu vejo-lhe o dia nos olhos, acredita que há luz.
Ela maquilha-me a mente. É sempre bom sentir a base da nossa confiança e o pó que se levanta quando corre para ocupar qualquer lugar livre ao meu lado. É um batom colorido na tela escura que deixaste em mim. A minha mulher faz ballet aos trinta e seis anos, é o foco da luz de um coliseu cheio e tudo o resto se faz sombra.
A Laura é o décimo segundo andar de um prédio com onze andares, sabes que ela preferia perder dias a construir um andar do que a sujeitar-se à paridade de um décimo primeiro andar com um vizinho barulhento. Não é o tom pouco generoso com que o digo que faz dela alguém egoísta, é especialmente o contrário. A Laura sobrepõe-se, sistemática e elegantemente, a toda a gente, mas é porque confia nela: tem medo que a incomodem, mas sabe que barulho ela não faz a partir das nove. Eu amo isso na Laura. Ela confia pelos dois e pelo desconhecido. Sabes que, estatisticamente e logo a seguir ao escuro, o que mais se teme é o que não se conhece ou nao se vê, mas eu nunca gostei muito de gráficos e, como vês, parece-me que tão pouco a Laura mantém um fraquinho por eles. Ela é absolutamente superlativa.
A facilidade com que alguém se extingue de nós é quilómetros/hora assustadora. Não fosse justiça o conceito mais indeterminado- e nunca determinável desde há séculos até hoje- de todos. Não é justo, mas tu eras e isso ficou em mim. Aqueles quilómetros/hora levaram-te na manhã em que me olhaste e eu soube que choveria. Bem na verdade, foste tu quem me mostrou que é possível vermos o dia nos olhos de alguém, mesmo que fosse a tragédia quem o acompanhasse.
Eu nunca te evito. Sei agora ver que um espelho também engana e que os relógios de nada servem quando paramos no tempo. Cheiravas sempre tão bem. Bem melhor do que a nossa pastelaria preferida na Batalha.
A minha mulher não se importa de ver a tua fotografia na cómoda todas as manhãs, ela insiste que és o complementar da razão da luz da vida dela: os nossos miúdos. Sucede-se que as pessoas distribuem todas as vivências e experiências, traduziria até em traumas, por dois métodos futurísticos e imperativos: Ora ultrapassam, ora aprendem a lidar.
Eu lidei contigo e ultrapassar-te seria ultrapassar a aprendizagem de quatro estações vividas por dezasseis anos. Nós mudámos lençóis juntos.
És exatamente como saber nadar e aprender outras línguas: se desde cedo, não se esquece. E sempre é mais fácil de aprender quando não se tem outras ocasiões da vida que se sobreponham. Eu agora trabalho e se for à piscina, é só mesmo para ir buscar os miúdos. Mas foi nessa ansiedade de nunca mais mergulhar sem levantar a cabeça e te ver, que fui buscar o nosso filho mais velho à piscina e aí a vi a primeira vez. E não é que as frequentes idas me afogaram na vontade de recomeçar?
A minha vontade passou a duas. Tu és o berço do amor que eu descobri, mas ora que chegou quem o embalace.
A minha mulher não és tu, Teresa, mas é alguém que eu aprendi a amar depois de te prometer- a ti exclusivamente- amor eterno.
08/08/2017- escrevo através da minha maior e mais consistente fonte de inspiração- o Diogo.
Mais dia menos dia, tínhamos de acontecer
Não houve dia em que eu não andasse a uma velocidade especialmente acelerada para o costume, e não houve dia em que o redor não me passasse despercebido: não que eu não me apercebesse dele, mas vivo desde há muito na preguiça de apreciar um redor rotineiro, não mais seja por achar que não há nada que possa mudar assim tanto quanto isso, e eu caio no erro de me adaptar ao comodismo de um dia que pode não ser como todos os outros.
Acho que há pouca coisa que me desvia a atenção, como se não houvesse tanta coisa a merecê-la, ora um céu mais de tom alaranjado, ora o corte de cabelo novo de uma amiga que costuma arriscar, ou uma sobremesa nova no bar que já abriu caixa para mim umas dezenas de vezes. Ao invés, foco-me no mais-do-mesmo, na cadeira que se fez assento por muitas horas, nas pessoas associadas à minha lista telefónica, no chá da manhã que é sempre o mesmo, haja mais dez ou vinte. E é tudo igual e monótono e eu pareço gostar.
As rotinas definem-se, por norma, pejorativamente, essencialmente pelo facto de uma zona de conforto ser associada a todos aqueles que receiam a mudança ou um amanhã diferente que nos impõe uma atitude mais arriscada ou menos confortável, mas eu acostumei-me a associar as rotinas a um processo de seleção, esse que consistia na escolha natural das tantas e boas ou más horas, de momentos e pessoas e até atividades de que gostava mais ou menos- e escolhia-as consoante o meu jeito para a coisa, mas quem não prefere aquilo para que já tem um dom natural? Nós gostamos de facilitismo-, e num ápice, juntei aquilo em que sabia que, passassem os sóis que passassem, nunca me sentiria muito diferente daquilo que senti quando me cruzei com todas aquelas coisas pela primeira vez. Eu prefiro pessoas de tom complicado e prefiro dias em que a manhã é rápida e cuja noite me dá tempo para adormecer a horas; prefiro doces a salgados porque meti isso na cabeça desde sempre, e digo-o, mesmo que, mais recentemente, tenha menos tendência no que toca àqueles; prefiro caminhos que demorem mais, mas em que eu veja mais movimento, e evito os curtos, mesmo que chegue atrasada (coisa que odeio, mas meti isto na cabeça, já há algum tempo também); prefiro vozes baixas e prefiro maré alta por preferir o mar ao areal cheio de pessoas, para mim a praia é sinónimo de pacificidade e se tiver muita gente fico-me pela esplanada. Há uma série de coisas que sempre preferi, sem dar hipótese aos antónimos para que se destacassem, nem mesmo quando são melhores opções- estupidamente.
Vivemos na ilusão de que não há nada que se possa sobrepor àquela que foi sempre a ideia-chave em relação a qualquer assunto: de que a família é que vale em primeira linha, até que ela também se ausenta sem problema nenhum; de que muitos amigos fazem a diferença, e quando vamos a ver só temos vontade de convidar três ou quatro para um jantar lá em casa; de que os moldes de uma sociedade ter-se-ão mantido até agora e isso é sinónimo de continuidade, mesmo que já não estejamos perante uma realidade que seja a mesma, e que precisa de ser ajustada.
Houve um dia em que eu fiz a minha rotina de forma diferente, não que tivesse acordado a pensar que já não me ia acobardar nas horas do costume, mas naquele dia estava mais sol para mim. Era outono e estavam uns oito graus, um céu cinzento para todos, mas para mim nem por isso: e eu não pedi por claridade.
E eu fiz o caminho do costume, à velocidade do costume, com o objetivo de chegar às mesmas pessoas, ao bar à mesma hora, e programei o meu dia para ser mais um, e ele não foi sabe-se lá se porque calhou de não ser, se porque o acaso se ausentou à hora certa.
Eu tenho muita dificuldade em não acreditar em coincidências, a ciência não descreve com precisão que nada acontece, efetiva e definitivamente por acaso, e eu tendo, confortável e rotineiramente, a ouvir a ciência e calar-me nela- erroneamente também. É como uma religião que critico e que sigo.
Mas aquilo ali não era em coincidência. E eu olhei em redor, e eu reparei em alguém novo que me encheu o pensamento numa aula que estava programada para só reter informações de código, e não algo retroativo ao momento do primeiro intervalo da manhã. Mas aquilo ali não era mesmo coincidência, e eu apercebi-me nos meses seguintes, e apercebo-me hoje ao fim de dez meses e uns dias de puro esforço e vontade e um mix de sentimentos que oscilou entretanto: e os acasos são traiçoeiros, e, muitas vezes, traiçoeiramente bons.
A minha ideia daquilo que seriam os meus próximos meses foi rapidamente refutada com uma sucessão de acontecimentos que eu não esperava- e quem os esperaria?-, e que fizeram da minha vida um sítio mais incerto e menos ligado às minhas vinte-e-quatro-horas-do-mesmo-e-nada-mais.
Há já uns anos que me incentivam a escrever um livro, e eu nunca pensei muito nisso por falta de tema. Porque durante o ano não dava tempo e porque as férias não me desapaixonavam de tal forma que me fossem prender numa secretária concentrada com o objetivo de uma publicação: porque quando eu quero escrever eu só o faço bem porque não me esforço para cumprir com o que quer que seja, e as minhas entre-linhas dizem muito mais quando o apetite chega e me envolve.
A minha vida mudou de tal modo, que eu já saberia que título dar, sobre o que escrever. Movo-me pelo que me inspira de coração, e até à data não havia nada que desse para mais de cinco páginas. Agora, eu olho para o Diogo e vejo um passado que não funcionou com razão, um presente que me presenteia com sorrisos que eu não sabia precisos, e um futuro que eu anseio com alguma pressa.
O Diogo é a minha fonte de inspiração, à primeira vista é só mais bonito do que o resto das pessoas, mas não dá muito de si. Eu soube de cor o Diogo quando ele me mostrou que quando queremos muito, temos de fazer por isso, e que é mesmo possível. Ele acha que fui eu quem o ensinei a ser determinado o suficiente, mas ele foi a minha lição de vida. Fez-me perceber que eu nunca me tinha esforçado por nada assim tanto quanto isso. Eu gosto do Diogo pelo esforço que ele pôs em mim sem dispersar, e hoje é o dia em que não dispersa. E ele deu-me força.
O Diogo ensinou-me tacitamente a fórmula para sair de uma rotina: que toda a gente precisa de alguém. Que a gabe, que lhe mostre que consegue, que seja surpreendida numa madrugada de sono profundo sem contar. Que veja investido em si tempo que achava não ter de ser a si dedicado.
O Diogo rouba-me sorrisos sinceros e risos de horas, rouba-me o sono também- para o bem e para o mal- e tira-me as bolachas todas do armário também. Mas dá-me muito mais do que isso: devolve-me os sorrisos e os risos para que eu os repita sempre, porque lhe são incentivo; sem egoísmo recupera-me as horas de sono quando me pede para me encostar só a ele e ficar ali; presenteia-me de todas as formas possíveis e tem pormenores que eu nunca, nunca vi. Aos quais nunca assisti.
E foi numa manhã de outono que eu soube que as rotinas também se quebram, muitas das vezes quando não esperamos isso delas, e normalmente numa questão de segundos.
O Diogo não é um filme feito para parecer perfeito, mas podia ser.
Sobre mim
Sou a Beatriz, tenho vinte anos, estudo Direito e vou escrevendo nas horas livres mais espaçadas do que o costume.

Escrevo com algum jeito- e quem não se dedica àquilo para que dizem ter um dom natural? Eu mesma o achava- há vários anos e dei por mim a ver crescer uma paixão que, rapidamente, se tornou a minha. E isso é muito.